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Contrato de estágio e suas implicações legais

O contrato de estágio possui seu regramento legal na Lei nº. 11.788/08, que estabelece o caráter discente dessa modalidade de contratação, já que a finalidade não é a prestação pura e simples de serviços, mas sim a instrução, o aperfeiçoamento e a formação profissional dos estudantes.

Acerca da definição do que seria o estágio, assim dispõe o art. 1º da Lei nº. 11.788/08:

Art. 1o. Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

Em linhas preliminares, cabe dizer que a contratação de estagiários não é compulsória, ou seja, não há obrigação legal impondo a formalização desse tipo de avença, portanto, não se faz necessária a observação de cota legal mínima de estagiários, diversamente do que ocorre com as hipóteses de contratação de aprendizes (art. 429 da Consolidação das Leis Trabalhistas) e pessoas com deficiência – PCD (art. 93 da Lei nº. 8.213/91).

Todavia, caso se feita a opção por esse tipo de contratação, a norma supramencionada impõe aos estabelecimentos de qualquer natureza a obrigação de observar o caráter discente do contrato de estágio, além das regras específicas desse tipo de ajuste, pois, do contrário, poderá haver a nulidade do contrato de estágio, para que seja declarada de fato a existência de vínculo de emprego, sobretudo, mediante as disposições do art. 9º da Consolidação das Leis Trabalhistas[1].

Antes de se adentrar às regras específicas do contrato de estágio, é imprescindível observar que a relação jurídica havida no contrato de estágio se estabelece necessariamente de forma trilateral, sendo, portanto, partes dessa relação, o estagiário (art. 10 a 14 da Lei nº. 11.788/08), a parte concedente (art. 9º da Lei nº. 11.788/08) e a instituição de ensino (art. 7º a 8º da Lei nº. 11.788/08).

O estagiário é obrigatoriamente o estudante que esteja cursando “o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos”, e que labora sem vínculo empregatício para pessoa jurídica ou profissional liberal, em busca do alinhamento entre as atividades profissionais e didáticas, mediante a supervisão de instituição de ensino.

Faz-se necessária traçar uma básica distinção entre o estágio de nível técnico-profissionalizante e o estágio de nível superior: a) nível técnico-profissionalizante: sem abrir mão do aprendizado teórico, visam mais as atividades no campo de trabalho, sendo ministrados conhecimentos técnicos que serão definitivos para o desempenho da atividade laboral; b) nível superior: sem desprezar a técnica, preocupam-se que o estabelecimento das bases teóricas imprescindíveis à formação do conhecimento.

Não existe previsão legal acerca da idade mínima para contratação por meio do contrato de estágio, porém, não há possibilidade de estabelecimento de vínculo com menores de 16 (dezesseis) anos, por interpretação expansiva do art. 7º, inciso XXVIII da CRFB/88[2], que somente permite trabalho entre 14 (quatorze) e 16 (dezesseis) anos nas hipóteses de contrato de aprendizagem.

Da relação de estágio, todas as partes envolvidas se beneficiam, a saber: a) a instituição de ensino com o atendimento das exigências curriculares para formação didático-profissional, permitindo maior qualificação dos estudantes; b) o estagiário no desenvolvimento de suas competências profissionais, experimentando progresso pessoal, social e cultural; c) a parte concedente ao aderir a essa modalidade de contratação poderá acompanhar o processo de formação do estagiário que poderá vir a ser efetivado futuramente como empregado, tendo já passado por toda fase de adaptação e treinamento.

Seguindo esse aspecto, não há negar que o contrato de estágio é uma porta aberta para a conquista do primeiro emprego, sendo, desse modo, uma importante ferramenta de desenvolvimento social e econômico.

O contrato de estágio pode se dar como requisito obrigatório para a formação segundo o projeto do curso em que o estudante estiver matriculado, porém, pode se dar como estágio voluntário, ou não obrigatório, quando estágio não constituir requisito obrigatório para formação, tal como define o art. 2º, §§1º e 2º da Lei nº. 11.788/08:

Art. 2o. O estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso.

  • 1o. Estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma.
  • 2o. Estágio não-obrigatório é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.

Nas hipóteses de contrato de estágio obrigatório são devidos os seguintes direitos, segundo a Lei nº. 11.788/08:

  1. a) bolsa ou qualquer contraprestação de forma facultativa (art. 12);
  2. b) auxílio-transporte (art. 12);
  3. c) seguro contra acidentes pessoais (art. 9º, IV);
  4. d) recesso de 30 (trinta) dias, preferencialmente durante de acordo com as férias escolares, nas hipóteses de contratação superior a 01 ano (art. 13), devendo o recesso se dar de forma proporcional nos estágios inferiores a 01 (um) ano (art. 13, §2º);
  5. e) remuneração do recesso de 30 (trinta) dias (art. 13, §1º);
  6. f) jornada de trabalho de 04 (quatro) horas e módulo semanal de 20 (vinte) horas, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos (art. 10, I);
  7. g) jornada de trabalho de 06 (seis) horas e módulo semanal de 30 (trinta) horas, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular (art. 10, II);
  8. h) módulo semanal de 40 (quarenta) horas para cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino (art. 10, §1º);
  9. i) observação da legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho (art. 14).

Como já informado acima o contrato de estágio não gera vínculo de emprego (art. 3º da Lei nº. 11.788/08[3]), portanto, não há que se falar no pagamento do adicional constitucional de 1/3 de férias (art. 7º, XVII inciso da CRFB/1988) e ao 13º salário (art. 7º, inciso VIII da CRFB/88).

No estágio voluntário há necessidade de pagamento de “bolsa”, ou qualquer outro tipo de contraprestação, de vale transporte, manutenção de seguro de vida e concessão de recesso, como determinam os artigos 12 e 9º, inciso IV, ambos da Lei nº. 11.788/08, verbis:

Art. 12.  O estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, sendo compulsória a sua concessão, bem como a do auxílio-transporte, na hipótese de estágio não obrigatório.

Art. 9o. […], observadas as seguintes obrigações:

IV – contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso;

Art. 13.  É assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a 1 (um) ano, período de recesso de 30 (trinta) dias, a ser gozado preferencialmente durante suas férias escolares. […]

  • 2o. Os dias de recesso previstos neste artigo serão concedidos de maneira proporcional, nos casos de o estágio ter duração inferior a 1 (um) ano.

Não é cabível contratação tácita ou verbal para essa modalidade de contratação, ou seja, em ambos os contratos, seja voluntário ou obrigatório, há necessidade de formalização de contrato escrito (termo de compromisso), que deve ser estabelecido entre os 03 (três) sujeitos da relação de estágio, estagiário, parte concedente e instituição de ensino, nos exatos moldes do art. 3º, §2º da Lei nº. 11.788/08:

Art. 3o. O estágio, tanto na hipótese do § 1o do art. 2o desta Lei quanto na prevista no § 2o do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos: […]

II – celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;

A parte concedente do estágio é a pessoa jurídica ou profissional liberal, nos termos do art. 9º da Lei nº. 11.788/08:

Art. 9o  As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações:

O contrato de estágio é uma espécie de contrato a termo (tempo determinado), tendo como limite máximo o prazo de 02 (dois) anos, salvo em relação ao estagiário PCD (pessoa com deficiência), nos termos do art.11 da Lei nº. 11.788/08:

Art. 11.  A duração do estágio, na mesma parte concedente, não poderá exceder 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de estagiário portador de deficiência.

Deve ser registrado, ainda, que havia necessidade de observância do prazo mínimo de contratação do estagiário, que deveria pelo período de 06 (seis) meses, conforme dispunha o Decreto 87.497/1982, mas que foi expressamente revogado pelo Decreto nº. 9.757/2019.

Atualmente não há obrigatoriedade de adoção de prazo mínimo, desde que o tempo de estágio seja o suficiente para o atendimento da finalidade discente do contrato.

Há expressa vedação de atividades penosas, insalubres ou perigosas para os estagiários menores de 18 (dezoito) anos de idade, conforme o art. 7º. Inciso XXXIII da CRFB/88.

Não há necessidade de aviso prévio para encerramento do contrato de estágio em período anterior ao previsto, mas é de bom tom que se faça constar cláusula no termo de compromisso acerca da notificação prévia e expressa de no mínimo 30 (trinta) dias de antecedência, de modo a não ocasionar surpresa indesejada quanto ao encerramento do pacto.

O não atendimento de quaisquer dos requisitos próprios do contrato de estágio implicará no reconhecimento do vínculo de emprego, fazendo surgir para o estagiário os seguintes direitos:

  1. a) reconhecimento do vínculo de emprego na Carteira de Trabalho e Previdência Social, incluindo a projeção do aviso prévio (art. 29 da CLT c/c OJ 82 da SBDI-I do TST);
  2. b) saldo salarial (artigo 459 da CLT), ou salário retido;
  3. c) 13º salário proporcional e/ou integral (Leis nº. 4.090/1962 e nº. 4.749/1965 e Súmula 171 do TST);
  4. d) férias proporcionais e/ou integrais eventualmente vencidas (artigos 137, 142 e 146 da CLT);
  5. e) depósitos do FGTS e multa de 40% do FGTS (artigo 18, §1º da Lei nº. 8.036/1990);
  6. f) saque do saldo de FGTS (artigo 20, I da Lei nº. 8.036/1990);
  7. g) entrega de guias para habilitação em seguro desemprego, caso preencha os requisitos legais (artigo 3º da Lei nº. 7.998/1990);
  8. h) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (artigo 487 da CLT e Lei nº. 12.506/2011);
  9. i) contribuições previdenciárias (art. 876, parágrafo único, da CLT + Súmula Vinculante 53/STF + art. 114, inciso VIII da CRFB/88);
  10. j) multa do art. 477, §8º da CLT, caso não tenham sido quitadas as verbas no prazo de 10 (dez) dias do encerramento do contrato (Súmula 462 do TST).

Cabe registrar que, caso a parte concedente seja a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, há exceção do reconhecimento do vínculo, já que vigora regra de ordem pública (cogente) que estabelece a necessidade de realização de concurso público para investidura em cargo público, nos termos do art. 37, inciso II da CRFB/88[4], fazendo jus, portanto, apenas à remuneração pactuada e à indenização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), nos termos da Súmula 363 do TST.

A competência para processamento e julgamento dos casos que envolvam a observação das normas do contrato de estágio é da Justiça do Trabalho, exceto quanto aos entes da Administração Pública, quando a competência será da Justiça Comum Estadual ou Federal, com restou decidido nos autos da Reclamação 61.318 (CE), em decisão monocrática da lavra do Ministro Alexandre de Moraes:

“Ressalta-se que o estágio é regulado pelo regime jurídico previsto na Lei 11.788/2008, devendo ser firmado por intermédio de termo de compromisso. No mais, o próprio diploma legal citado, em seu art. 3º, afirma que “o estágio (…) não cria vínculo empregatício de qualquer natureza”, afastando expressamente a incidência da legislação trabalhista, caso os requisitos apresentados na norma sejam cumpridos.

Esta CORTE já se manifestou, por diversas vezes, no sentido de que “compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público fundadas em vínculo jurídico-administrativo” (Rcl 4.069 MC-AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Red. do acórdão Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 6/6/2011). Desse modo, não cabe à Justiça Especializada apreciar as questões trabalhistas oriundas do vínculo firmado entre o estagiário e o Poder Público, nas condições apresentadas.

No mesmo sentido do acima exposto, cita-se as seguintes decisões monocráticas envolvendo casos análogos: Rcl 26.642, Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/3/2019; Rcl 30.335, Min. LUIZ FUX, DJe de 6/11/2018; Rcl 27.686, de minha relatoria, DJe de 18/8/2017.

Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE o pedido para cassar os atos decisórios proferidos na Justiça do Trabalho e determinar a remessa dos autos à Justiça Comum.”

Por fim, insta trazer à baila que a contratação pela via do estágio, justamente, por possuir um caráter de formação profissional e não de “exploração” de mão de obra, os Órgãos de Fiscalização do Trabalho, como as Secretarias Regionais do Trabalho e Emprego (SRTE) e o Ministério Público do Trabalho, possuem frentes especializadas nesse tipo de fiscalização.

As diligências fiscalizatórias podem ocasionar a imposição de severas multas, que serão multiplicadas pelo número de funcionários prejudicados, e podem gerar o impedimento de contratação de novos estagiários pelo prazo de 02 (dois) anos, conforme determina o art. 5º, §1º da Lei nº. 11.788/08.

 

[1] Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

[2] XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

[3] Art. 3o. O estágio, tanto na hipótese do § 1o do art. 2o desta Lei quanto na prevista no § 2o do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos:

[4][4] II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

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