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O Princípio da Irrecorribilidade de Imediato das Decisões Interlocutórias na Justiça do Trabalho e a sua Mitigação no Curso do Processo Executório

O Princípio da Irrecorribilidade de Imediato das Decisões Interlocutórias na Justiça do Trabalho e a sua Mitigação no Curso do Processo Executório.

 

 

  1. INTRODUÇÃO

Como é cediço, o Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015), em seu artigo 203, denomina de “pronunciamentos do juiz” os atos que o magistrado perpetra no curso do processo, classificando-os como despachos, decisões interlocutórias e sentenças.

A análise em tela leva em consideração a possibilidade de recurso na seara trabalhista de uma das espécies de “pronunciamento do juiz”, qual seja, a decisão interlocutória, principalmente em relação a decisões prolatadas no curso do processo de execução, em que se declara a formação de grupo econômico ou sucessão de empregadores.

 

  1. DESENVOLVIMENTO

Em linha de princípio, cumpre dizer, que à exceção dos despachos, que são meros atos do juiz para o impulso do processo, todas as decisões prolatadas pelo juiz, no curso do processo, são suscetíveis de impugnação pela via recursal, sejam decisões interlocutórias ou sentenças, valendo a aludida regra tanto para o âmbito do processo civil, quanto para o âmbito do processo do trabalho.

O princípio em questão também deitava suas bases no Código de Processo Civil de 1973, especificamente nos artigos 522, caput e 497, segunda parte, de vez que alguma matérias não se sujeitavam à impugnação de imediato, como se verifica do texto revogado abaixo transcrito:

Art. 522. Ressalvado o disposto nos arts. 504 e 513, de todas as decisões proferidas no processo caberá agravo de instrumento.

 

Art. 497. O recurso extraordinário não suspende a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta ao andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558.

O Novo Código de Processo Civil, por sua vez, orientado com mais ênfase pelo princípio do devido processo legal e duração razoável do processo (art. 5º, incisos LIV c/c LXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 c/c os artigos 1º e 139, inciso II do Novo Código Processo Civil), tipificou em rol fechado[1], as hipóteses de cabimento de recurso no caso de decisão interlocutória, o que se deu por meio do disposto no artigo 1.015 do NCPC.

Todavia, cabe ressaltar que no Direito Processual do Trabalho não se aplica o dispositivo legal acima referido, justamente por não se estar diante de quaisquer lacunas normativas, ontológicas ou axiológicas, além de ir de encontro ao princípio da celeridade que informar os processos que tramitem perante a Justiça Obreira, como bem defende o jurista Carlos Henrique Bezerra Leite.

No âmbito dessa Justiça Especializada há diferenciação quanto à recorribilidade das decisões interlocutórias, tendo em vista que vigora na seara trabalhista o princípio da irrecorribilidade de imediato das decisões interlocutórias, também denominado de princípio da concentração, sendo tipificado o aludido princípio no artigo 893, §1º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Nessa esteira de raciocínio, a decisão interlocutória que se pretenda impugnar, somente poderá ser objeto de recurso, em regra, quando da interposição de recurso ordinário. Entretanto, para que a parte prejudicada possa recorrer a posteriori, necessária se faz a arguição dos protestos na primeira oportunidade que couber à parte se manifestar nos autos, ou, caso seja prolatada em audiência a decisão que gerou a inconformidade, que sejam consignados em ata os protestos, para que, nessas situações, caiba a renovação da impugnação da decisão interlocutória em sede de preliminar de recurso.

De se registrar, outrossim, que o princípio da irrecorribilidade de imediato das decisões interlocutórias é um dos pilares do processo do trabalho, sendo previsto tal importância na Instrução Normativa nº. 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em seu artigo 1º, §1º, in verbis:

Art. 1º Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015 .

§ 1º Observar-se-á, em todo caso, o princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, de conformidade com o art. 893, § 1º da CLT e Súmula nº 214 do TST .

Cumpre registrar que, a regra debatida possui exceções, conforme o Enunciado nº. 214 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Tribunal Superior do Trabalho, podendo haver recurso de imediato das seguintes decisões interlocutórias: a) decisão de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) decisão suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) decisão que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.

De outra banda, há que se registrar a possibilidade de recurso da decisão que reconhece a incompetência da Justiça do Trabalho, determinando da remessa dos autos a outro órgão do Poder Judiciário, tendo em vista que se trata de decisão terminativa do feito, nos moldes do artigo 799, §2º da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como a possibilidade de ajuizamento de mandado de segurança em hipóteses de urgência (ex. inclusão de empregado no plano de saúde), nos termos da Enunciado nº.  414 da Súmula de Jurisprudência Predominante do Tribunal Superior do Trabalho.

 

Por fim, cabe o enfrentamento daquelas decisões prolatadas no curso de processo executivo, em que se reconhece a formação de grupo econômico ou a sucessão de empregadores.

 

Os temas referidos acima ressaltam aos olhos a natureza dos pronunciamentos judiciais, haja vista que a decisão que reconhece grupo econômico ou declara a sucessão de empregadores veicula conteúdo de natureza própria de sentença, já que amplia o polo passivo, vencendo barreiras que só seriam transpostas no curso do processo de conhecimento, determinando, assim, a inclusão de parte no polo passivo dos autos, causando o iminente risco de responder pessoalmente pelos créditos executados nos autos.

Como se pode verificar, a decisão tem viés de decisão definitiva no feito executório, pois, em regra, atribui a responsabilidade solidária da empresa sucessora ou integrante do grupo, determinando a ampliação do polo passivo da demanda, gerando a possibilidade de que a parte afetada pela decisão sofra de imediato os percalços da execução trabalhista.

 

Tal questão ganha maior repercussão diante de outra peculiaridade dos executivos trabalhistas, já que, assim como na hipótese dos executivos fiscais, exigem e garantia integral do débito, para que haja a impugnação pela via de ação autônoma, os Embargos à Execução, com se depreende do art. 884 da CLT.

 

Assim, a parte prejudicada poderá sofrer bloqueio de valores ou penhora de bens, o que pode em muitas ocasiões gerar risco à própria manutenção da atividade econômica desenvolvida pela parte prejudicada, ferindo-se de morte os princípios da continuidade e preservação da empresa, além do princípio da função social da empresa, forte no art. 5º, incisos XXII e XXIII c/c o art. 173, §1º, inciso I, ambos da CRFB/88, além de previsão infraconstitucional no art. 116, parágrafo único, da Lei nº. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas).

 

Vale registrar, que o princípio da irrecorribilidade de imediato das decisões interlocutórias (art. 893, §1º da CLT) não pode afrontar o direito fundamental à ampla defesa (art. 5º, LV da CRFB/88), muito menos lesar o princípio do duplo grau de jurisdição (art. 5º LIV da CRF/88 c/c art. 8º, §2º, alínea “h” do Tratado Internacional de Direito Humanos – Decreto nº. 678, de 06 de novembro de 1992), já que demonstrada a natureza de sentença definitiva, e que poderá produzir efeitos irreversíveis à parte prejudicada, tornando-a suscetível de sofrer atos de constrição em seus bens no curso do processo de execução.

 

Nesse particular, o próprio Egrégio Tribunal Superior do Trabalho tem emprestado interpretação extensiva aos preceitos do Enunciado nº. 214 de sua Súmula de Jurisprudência Predominante, admitindo exceção às hipóteses de cabimento de impugnação de imediato de decisões interlocutórias, quando confrontarem a ampla defesa (art. 5º, LV da CRFB/88) e puderem causar prejuízo à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII da CRFB/88).

 

À guisa de fundamentação, seguem os julgados ementados abaixo transcritos, que reforçam a tese supra:

 

INTERPOSIÇÃO IMEDIATA DE RECURSO DE REVISTA. NÃO ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ARGUIÇÃO DE PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NO RECURSO DE REVISTA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 214 DO TST. A jurisprudência desta Corte, nos termos de sua Súmula nº 214 e em direta aplicação do disposto no § 1º do artigo 893 da CLT, adota o entendimento de que é irrecorrível, de imediato, decisão pela qual não se acolhe exceção de pré-executividade, hipótese em questão. No entanto, o caso em apreço apresenta uma particularidade que, além das hipóteses expressamente previstas naquele verbete jurisprudencial, também afasta a incidência da regra que consagra a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias no processo do trabalho, na medida em que o ora recorrente arguiu preliminar de nulidade daquele acórdão regional. Nessa hipótese, se incidisse o óbice previsto na Súmula nº 214 do TST, não se conheceria do recurso de revista, seria determinado o retorno do processo à execução, o executado garantiria o Juízo, interporia embargos à execução e um segundo agravo de petição e, de eventual decisão a ele contrária, proferida pelo Tribunal a quo, poderia, renovando as mesmas alegações desse seu recurso de revista, retornar ao Tribunal Superior do Trabalho, para que esse, antes de mais nada, examinasse a arguição de nulidade do acórdão regional, ora invocada. Diante do princípio da razoável duração do processo consagrado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, e da possibilidade de todo o iter processual subsequente ser tornado inútil pelo tardio acolhimento dessa preliminar, não incide o disposto na Súmula nº 214 do TST, a obstar o conhecimento do recurso de revista. Afasta-se, assim, a aplicação da Súmula nº 214 do TST. [2]

 

RECURSO DE REVISTA – DECISÃO QUE RECONHECE A COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO – REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU – DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – CABIMENTO DE RECURSO IMEDIATO – POSSIBILIDADE – EXEGESE DA SÚMULA Nº 214 DO TST E ART. 5º, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. I – A teor do disposto no art. 893, § 1º, da CLT, seria de rigor não conhecer a revista em razão de o acórdão recorrido ter assumido nítida feição interlocutória. É indeclinável, no entanto, o exame da questão no cotejo com a Súmula nº 214 do TST, a qual, prestigiando o princípio da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), estabeleceu exceções à ideia de irrecorribilidade das decisões interlocutórias. II – Embora o acórdão recorrido não revele contrariedade com o entendimento de Súmula ou Orientação Jurisprudencial desta Corte – o que, de plano, autorizaria o conhecimento do recurso – certo é que o Pleno deste Tribunal, seguindo a jurisprudência consolidada no STF, consagrou que a Justiça do Trabalho não desfruta de competência material para processar e julgar as ações movidas por servidores admitidos mediante contrato administrativo por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. III – O contexto, aliado à ideia vertida na alínea c da Súmula 214 do TST, autoriza o processamento do apelo, na esteira do art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna.[3]

 

Vê-se, então, que o princípio em xeque não é de aplicação absoluta e irrestrita no âmbito da Justiça do Trabalho.

 

  1. CONCLUSÃO

 

Ressalvadas as exceções das Súmulas 214 e 414 do TST e do artigo 799, §2º da CLT, não cabe recurso de imediato das decisões interlocutórias, devendo haver manifestação da parte quanto ao intuito recursal em momento oportuno, para que possa impugnar a decisão como matéria preliminar de recurso ordinário.

Entretanto, em se tratando de processo executivo, para assegurar o direito do réu o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, acesso ao duplo grau de jurisdição, o processamento de execução menos gravosa e a preservação de sua propriedade particular, há de admitir a interposição de agravo de petição das decisões que reconhecerem a formação de grupo econômico ou declarem a sucessão de empregadores no curso da execução.

 

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 4 ed. São Paulo: LTR, 2006. p. 586.

 

GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 517-518.

 

[1] Numerus clausus.

[2] TST-RR-1875-35.2011.5.02.0035, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 2 Turma, DEJT 03/05/2013

[3] TST-RR- 44/2008-104-04-00.7, Relator: Antônio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 14/10/2009, 4ª Turma, Data de Publicação: 23/10/2009.

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